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Elza Soares: A Mulher do Fim do Mundo – A vida e a luta da poderosa voz de Elza Soares

Elza da Conceição Soares nasceu em 23 de junho de 1930, na favela de Moça Bonita, no Rio de Janeiro. Filha de uma lavadeira e de um operário, Elza enfrentou uma infância marcada por dificuldades e privações. No entanto, desde cedo, demonstrou um talento extraordinário para a música, que a acompanharia ao longo de uma vida repleta de lutas e conquistas.

Infância e Juventude

Elza cresceu em um ambiente de extrema pobreza, enfrentando adversidades desde muito jovem. Aos 12 anos, foi forçada a se casar com Lourdes Antônio Soares, um amigo da família, para fugir da miséria. Aos 13 anos, deu à luz seu primeiro filho, João Carlos. A responsabilidade de cuidar de sua família pesava sobre seus ombros, e Elza precisou trabalhar em diversos empregos para sustentar seus filhos e a si mesma.

Apesar das dificuldades, Elza nunca abandonou sua paixão pela música. Aos 15 anos, após a morte de seu primeiro filho, decidiu participar de um concurso de talentos na Rádio Tupi, incentivada pelo marido. No concurso, foi desafiada a cantar “Lama” de Aylce Chaves, que marcou o início de sua trajetória artística. Com sua voz poderosa e estilo único, Elza conquistou o público e o júri, ganhando o concurso e abrindo caminho para sua carreira musical.

Aos 21 anos, após a morte de seu marido, Elza ficou viúva e responsável por sustentar seus outros filhos sozinha. Trabalhando como operária e lavadeira, ela nunca deixou de cantar. Em 1958, participou do programa de calouros “Calouros em Desfile”, apresentado por Ary Barroso, onde sua performance impressionou o apresentador e o público. Ary Barroso, encantado com seu talento, declarou que Elza Soares “veio do planeta fome”, uma frase que se tornaria emblemática em sua carreira.

Início da Carreira

O início da carreira de Elza Soares foi marcado pela luta para equilibrar a vida familiar e a música. Após sua aparição no programa de Ary Barroso, Elza começou a ganhar notoriedade e oportunidades no cenário musical. Em 1960, gravou seu primeiro álbum, “Se Acaso Você Chegasse”, que foi um sucesso imediato. O álbum trouxe uma nova abordagem ao samba, combinando elementos de jazz e bossa nova, e estabeleceu Elza como uma artista inovadora e talentosa.

Nos anos seguintes, Elza lançou uma série de álbuns que consolidaram sua carreira. Canções como “Cadeira Vazia” e “Boato” destacaram seu estilo vocal distinto e sua habilidade em interpretar diferentes gêneros musicais. Sua presença de palco enérgica e carismática cativou o público, e ela rapidamente se tornou uma das cantoras mais populares do Brasil. Além de sua carreira solo, Elza colaborou com vários artistas renomados, ampliando seu alcance e influência na música brasileira.

Durante essa fase inicial de sua carreira, Elza enfrentou preconceitos e desafios. Como mulher negra e oriunda de uma favela, ela teve que lutar contra o racismo e a discriminação em um país profundamente desigual. No entanto, sua determinação e talento permitiram que ela superasse essas barreiras e se afirmasse como uma das grandes vozes do samba e da música brasileira.

Consagração nos Anos 1960 e 1970

Os anos 1960 e 1970 foram períodos de consagração para Elza Soares. Ela lançou vários álbuns de sucesso, incluindo “A Bossa Negra” (1961) e “Elza Pede Passagem” (1972), que mostraram sua versatilidade como artista e sua capacidade de reinventar-se. Suas músicas durante esses anos refletiram a turbulência social e política do Brasil, e ela se tornou uma voz importante na luta contra a opressão e a desigualdade.

Em 1966, Elza casou-se com o famoso jogador de futebol Garrincha. O relacionamento foi intensamente midiático e tumultuado, marcado tanto por amor quanto por desafios. Garrincha, ídolo do futebol brasileiro, também enfrentava problemas pessoais, incluindo o alcoolismo. Apesar das dificuldades, Elza e Garrincha permaneceram juntos por 16 anos, até a morte dele em 1983. Este período foi marcado por muitas dificuldades pessoais para Elza, mas também fortaleceu sua determinação e resiliência.

Durante essa época, Elza Soares também começou a explorar novos gêneros musicais. Incorporou elementos do funk, do soul e do jazz em sua música, criando um som inovador que desafiava as convenções do samba tradicional. Sua ousadia musical e sua capacidade de adaptação garantiram que ela permanecesse relevante e influente, mesmo com as mudanças no cenário musical brasileiro.

Vida Pessoal

A vida pessoal de Elza Soares foi repleta de desafios e tragédias. Além das dificuldades financeiras e das perdas pessoais, ela enfrentou a discriminação racial e o machismo. Seu casamento com Garrincha foi marcado tanto por momentos de felicidade quanto por abusos e dificuldades. Garrincha lutava contra o alcoolismo, o que resultou em conflitos e sofrimento para Elza. Apesar disso, ela sempre se manteve forte e determinada a seguir em frente.

Elza teve ao todo sete filhos, mas tragicamente perdeu três deles em diferentes circunstâncias. Essas perdas devastadoras marcaram profundamente sua vida e sua música. A dor e a resiliência que ela demonstrou em face dessas tragédias refletiram-se em suas performances e em suas canções, conferindo-lhes uma profundidade emocional única.

Mesmo diante das adversidades, Elza nunca deixou de lutar por seus sonhos e por sua família. Seu espírito indomável e sua força de vontade fizeram dela uma figura inspiradora. Além de sua carreira musical, ela também se envolveu em causas sociais e lutou pelos direitos das mulheres e dos negros no Brasil. Sua vida pessoal complexa e sua carreira brilhante tornaram-se um exemplo de superação e de paixão pela arte.

Anos 1980 e 1990

Nos anos 1980, Elza Soares enfrentou uma série de dificuldades, incluindo problemas financeiros e de saúde. No entanto, ela continuou a gravar e a se apresentar, mostrando sua determinação em manter sua carreira viva. Durante esse período, lançou álbuns como “Lição de Vida” (1983) e “Voltei” (1988), que mostraram sua resiliência e sua capacidade de adaptação a novos tempos e estilos musicais.

Os anos 1990 trouxeram um renascimento na carreira de Elza Soares. Ela começou a ganhar reconhecimento internacional e a se apresentar em importantes festivais de música ao redor do mundo. Em 1999, lançou o álbum “Trajetória”, que foi aclamado pela crítica e pelo público. Este álbum destacou-se pela mistura de samba com elementos de música eletrônica e hip hop, demonstrando mais uma vez a capacidade de Elza de se reinventar e de se manter relevante.

Durante esses anos, Elza também começou a receber mais reconhecimento por sua contribuição à música brasileira. Foi homenageada em diversos eventos e recebeu prêmios que celebravam sua trajetória e seu impacto cultural. Sua voz, sua energia e sua presença de palco continuavam a encantar e a inspirar novas gerações de fãs e artistas.

Renascimento nos Anos 2000 e 2010

A partir dos anos 2000, Elza Soares viveu um verdadeiro renascimento artístico. Lançou álbuns inovadores e aclamados, como “Do Cóccix Até o Pescoço” (2002), que mostrou sua versatilidade e sua disposição para experimentar com novos sons e estilos. Este álbum trouxe colaborações com diversos artistas renomados e foi um grande sucesso de crítica e público.

Em 2015, Elza lançou o álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, que foi amplamente elogiado e recebeu diversos prêmios, incluindo o Grammy Latino. Este álbum é considerado uma obra-prima e marcou um novo capítulo em sua carreira. Com letras que abordam temas como a violência contra a mulher, o racismo e a resistência, “A Mulher do Fim do Mundo” consolidou Elza como uma voz poderosa e relevante no cenário musical contemporâneo.

Nos anos seguintes, Elza continuou a lançar álbuns e a se apresentar em shows pelo Brasil e pelo mundo. Em 2019, lançou “Planeta Fome”, um álbum que remete ao comentário de Ary Barroso e celebra sua trajetória e sua luta contra a fome e a desigualdade. Mesmo com mais de 80 anos, Elza manteve sua energia e sua paixão pela música, encantando novas gerações de fãs.

Legado

Elza Soares é amplamente reconhecida como uma das maiores artistas da música brasileira. Sua carreira, marcada por inovações e por uma capacidade única de se reinventar, deixou um legado duradouro na música popular brasileira. Suas canções, que combinam samba, jazz, funk e outros gêneros, continuam a ser ouvidas e apreciadas por públicos de todas as idades.

Além de sua contribuição musical, Elza é celebrada por sua luta contra o racismo, o machismo e a desigualdade social. Sua vida e sua música são um testemunho de resistência e de superação. Elza Soares usou sua voz e sua arte para desafiar as convenções e para lutar por um mundo mais justo e igualitário.

Até seu falecimento em 20 de janeiro de 2022, Elza Soares permaneceu uma figura influente e admirada. Seu legado continua a inspirar artistas e fãs em todo o mundo. Elza Soares não foi apenas uma cantora extraordinária; ela foi uma verdadeira guerreira, cuja vida e obra deixam uma marca indelével na história da música e da cultura brasileira.

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